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Ensino de línguas na infância

Na atualidade, observamos o crescente interesse, por parte da sociedade em geral, da oferta do ensino de línguas adicionais na infância. Com isso, passamos também a discutir outros aspectos, como a formação de professores para o trabalho com crianças, as abordagens mais apropriadas e a qualidade dos materiais didáticos desenvolvidos para este fim, dentre outros.

Nesse cenário, Rocha (2006) critica o caráter ainda predominantemente instrumental do ensino de línguas na infância. A autora aponta para a necessidade do estabelecimento de processos educativos e do fortalecimento de políticas públicas que contribuam para a formação plurilíngue, crítica e cidadã da criança.

No entanto, o que temos observado, é o ensino de línguas para crianças pautadas na memorização de um conjunto de palavras que pertencem a uma temática específica, no aprendizado de músicas diversas que são performadas até a exaustão e em uma série de jogos que demandam das crianças respostas certas compostas por palavras isoladas ou pelo seguimento de instruções. Todas essas estratégias baseadas no discurso de que o inglês, por exemplo, precisa ser aprendido para assegurar a essa criança um futuro próspero.

De fato, há muito a ser discutido acerca do ensino de línguas, em especial do inglês, para crianças. Para refletirmos sobre essa temática, proponho aqui, inicialmente, uma breve discussão sobre o conceito de infância. Essa discussão é importante para compreendermos a visão de criança que sustenta e perpassa nossos currículos de língua inglesa.

O termo infância apresenta um caráter genérico, cujo significado resulta das transformações sociais, o que demonstra que a compreensão e a vivência da infância modificaram-se conforme os paradigmas do contexto sócio-histórico-cultural e outras variantes sociais como raça, etnia e condição social. É com o projeto de modernidade que a infância sai do anonimato, tornando-se objeto de estudo de várias áreas do saber. O interesse pela infância propagado pela modernidade inaugura, em um certo sentido, a preocupação com a criança e sua formação, porém o objetivo não era a criança em si, mas o adulto de amanhã. Reconhecida como fase da não razão, da imaturidade, as expectativas sobre a infância propagavam um discurso legitimando a infância como uma fase do desenvolvimento humano no qual a criança, ser frágil e dependente do adulto, deveria ser educada e disciplinada para o desenvolvimento pleno de suas faculdades, inclusive da razão. Nesse período, a criança é apresentada como cidadã do futuro ou o capital humano do futuro (ANDRADE, 2010).

A partir do pensamento pós-moderno e/ou contemporâneo, novas construções sobre a infância têm sido elaboradas, conjugadas ao desenvolvimento de vários fatores sociais, econômicos e científicos. O entendimento da infância, nesse sentido, rompe com o paradigma da criança frágil, inocente, dependente e incapaz, dando lugar, segundo Andrade (2010), à concepção da criança rica, forte, poderosa e competente, coconstrutora de conhecimento, identidade e cultura. A criança é reconhecida como um sujeito ativo, competente, com potencialidades a serem  desenvolvidas desde o nascimento. Nessa perspectiva, reconhecemos a criança como ator social e cultural, o que possibilita a construção de novos caminhos teóricos e metodológicos para o ensino de línguas na educação infantil, Assim, rompemos com a visão abstrata ou romântica da infância, descontextualizada de sua inserção social. Isto implica uma proposta pedagógica para o ensino de línguas centrada no desenvolvimento das potencialidades infantis, na valorização das manifestações das crianças (múltiplas linguagens) e na gradativa conquista de novas aprendizagens.

O ensino para crianças passa a ter, portanto, como centro a ideia da criança cidadã, ou seja, a criança forte, competente, inteligente, com direito a voz e a ser ouvida; enfim, um sujeito de direitos, como preconiza a BNCC e todo o aparato legal que regulamenta as infâncias no Brasil. Nesse sentido, o ensino de línguas adicionais para crianças deve contribuir para ampliar suas possibilidades de participação e ação na vida social e cotidiana. Para tanto, é importante que as crianças, nas aulas de língua adicional, tenham a oportunidade de se aproximar de outras representações de mundo para que, dessa forma, possam confrontar os discursos que circulam e estruturam sua comunidade imediata. Assim,  outros modos de agir, falar e se relacionar, por meio dessa língua adicional, podem ser experimentados. 

Logo, é oportuno pensarmos em um ensino de línguas adicionais muito para além do caráter instrumental já tão difundido. A ideia de criança cidadã pressupõe acolhermos o universo infantil (STACCIOLI, 2013) e concebermos o ensino de línguas não para que a criança se torne um adulto com mais vantagens, mas para que amplie suas possibilidades de ser criança no aqui e agora, ao ter contato com outras narrativas e modos de se expressar no mundo.

 

Referências

ANDRADE, LBP. Educação infantil: discurso, legislação e práticas institucionais [online]. São Paulo: Editora UNESP; São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010.

ROCHA, C. H. Provisões para Ensinar LE no Ensino Fundamental de 1ª a 4ª Séries: dos Parâmetros Oficiais e Objetivos dos Agentes. 2006. 339f. Dissertação (Mestrado em Linguística Aplicada) – Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2006.

STACCIOLI, Gianfranco. Diário do acolhimento na escola da infância. Campinas, SP: 2013.

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Antonieta Megale

Antonieta Megale é doutora em Linguística Aplicada pela Unicamp, realizou seu estágio doutoral na Universität Viadriana (Alemanha), é mestre em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. No momento, realiza estágio de pós-doutoramento em Linguística Aplicada na PUC/SP. É diretora acadêmica da Cultura Inglesa e atua como professora do departamento de pós-graduação em Letras da UNIFESP.

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