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A translinguagem como ferramenta de aprendizagem

O conceito de translinguagem tem recebido cada vez mais atenção dos estudiosos em áreas diversas. Canagarajah (2011) fez um levantamento dos diferentes nomes que o fenômeno recebe em áreas distintas, como codemeshing, translingual writing, fluid lects e polylingual languaging. O autor explica que para um indivíduo bi/multilíngue, suas línguas fazem parte de um repertório que é acessado para propósitos comunicativos. Assim, segundo o autor, as línguas formam um sistema integrado e, dessa forma, a competência bi/multilíngue emerge de práticas locais nas quais as línguas são negociadas para comunicação. Canagarajah (2011) ainda, salienta que, em contexto de bi/multilinguismo, a competência linguística dos sujeitos não consiste em competências separadas para cada uma das línguas, mas em uma multicompetência que funciona simbioticamente para as diferentes línguas de seu repertório. 

É por isso que, enquanto fenômeno, García (2009, p.45) explica que é coerente a denominação ‘translinguagem’ quando “descrevemos as práticas linguísticas do sujeito bilíngue a partir da perspectiva dos usuários, e não simplesmente descrevemos o uso das línguas ou o contato linguístico a partir da própria língua”. Para a autora (2009, p.45), a translinguagem refere-se “às múltiplas práticas discursivas nas quais os bilíngues se engajam para que seu mundo bilíngue faça sentido”. 

Com base no reconhecimento da translinguagem como fenômeno, o conceito tem sido utilizado também como prática pedagógica. Garcia, Johnson e Seltzer (2016) apresentam três eixos para uma pedagogia translíngue a partir da perspectiva do professor (GARCÍA; JOHNSON; SELTZER, 2016): stance, design e shift.  Para as autoras, stance se refere a postura e as crenças do professor em relação ao que é bi/multilinguismo e quem é o aluno bi/multilíngue. Assim, caso o professor não tenha uma postura crítica sobre as práticas escolares de reducionismos linguísticos, ele não terá recursos para tirar proveito da translanguaging corriente que ocorre em sua aula e não terá possibilidade, consequentemente, de criar espaços planejados para  que os estudantes aprendam a partir de práticas translíngues.  

Para além da postura, segundo os autores, são necessários planejamento e estratégias intencionais e sistemáticas para a criação de espaços translíngues que gerem aprendizagens e desenvolvimento. Assim, o professor deve também desenvolver um design para as práticas translíngues, o que inclui: material multilíngue apropriado para que os alunos aprendam, configuração da sala de aula como um espaço multilíngue e agrupamento dos alunos também levando em consideração, a partir da tarefa proposta, suas línguas de nascimento ou conhecimento da língua alvo para que possam se ajudar entre si e aprofundar o sentido da aprendizagem. 

García, Johnson e Setzer (2017) salientam que o design deve ser flexível, embora intencionalmente conecte as identidades dos estudantes e suas práticas linguísticas à realidade e ao ambiente escolar para que os alunos se identifiquem, se reconheçam e se sintam valorizados nesse espaço. 

O terceiro componente, shift, se refere à preparação dos professores para as mudanças no design das aulas que podem ser necessárias para responder às alterações que as práticas translíngues demandam dos estudantes para permitir utilizar todo o seu repertório linguístico. Isso significa que professores, que fazem uso de uma pedagogia translíngue, devem observar profundamente os estudantes para que saibam quando o percurso das aulas deve ser alterado para potencializar as aprendizagens dos estudantes, independentemente de e em que ponto do espectro contínuo bilíngue estejam. O objetivo do professor é que todos os estudantes, com conhecimentos linguísticos diversos, tenham a mesma oportunidade de aprender e se desenvolver. Para isso, as autoras explicam que é essencial que o professor esteja atento às necessidades, dificuldades e potencialidades de seu grupo e apto a (re)planejar suas intervenções a partir das observações que faz das aprendizagens de seus estudantes.  

Para García, Johnson e Setzer (2017), o que é importante para os professores em salas de aula que fazem uso de práticas translíngues é que eles compreendam que os alunos bi/multilíngues só podem aprender novas formas de uso da linguagem nas inter-relações com as que já possuem acesso. É nesse momento, em que os estudantes têm a oportunidade de refletir sobre todas as suas práticas linguísticas, que o desenvolvimento da linguagem pode ocorrer.

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Antonieta Megale

Antonieta Megale é doutora em Linguística Aplicada pela Unicamp, realizou seu estágio doutoral na Universität Viadriana (Alemanha), é mestre em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. No momento, realiza estágio de pós-doutoramento em Linguística Aplicada na PUC/SP. É diretora acadêmica da Cultura Inglesa e atua como professora do departamento de pós-graduação em Letras da UNIFESP.

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